Deus mostra, a vida ensina...quem não aprende, apanha...!

Um monte de nada...ou pouco de quase tudo...!

20.2.08

A difícil comunicação...!

Pois acontece que, apreensivo e tenso, o gerente de divisão dirigiu-se ao escritório do diretor industrial, que acabara de convocá-lo. O motivo de suas apreensões eram as freqüentes broncas do diretor, pois o Programa de Reengenharia, sua menina dos olhos, estava deixando o pessoal muito inquieto e nem tudo vinha dando tão certo quanto o seu idealizador gostaria. Com essas preocupações na cabeça, foi recebido pelo diretor, que, sem lhe dar tempo de pensar, logo lhe disparou a nova determinação.

— Na próxima sexta-feira, por volta das 17h, o Cometa Halley estará visível no céu desta área. Trata-se de fenômeno raro, que ocorre somente a cada 76 anos. Por isso, por favor, reúna os operários no pátio da fábrica, usando capacete de segurança, que eu farei uma preleção explicando o fenômeno. Mas, se estiver chovendo, não poderemos ver nada. Nesse caso, reúna-os no refeitório e eu farei a preleção acompanhada da projeção de um vídeo sobre o cometa.

O gerente de divisão sentiu que não havia o que redargüir ou perguntar, pois o diretor já se voltava para o microcomputador instalado em sua mesa auxiliar. Assim, engoliu em seco, deu meia-volta e retirou-se, voltando para o seu próprio birô. Lá, mandou chamar o supervisor de produção, enquanto pensava que ia ser o diabo se o supervisor, sempre muito curioso, começasse a crivá-lo de perguntas. Diante do supervisor, a quem tampouco permitiu que sentasse, procurou ser tão objetivo e rápido quanto fora o diretor, ainda que com o risco de parecer ríspido:

— Por ordem do diretor industrial, na sexta-feira, às 17h, o Cometa Halley vai aparecer no céu, sobre o pátio da fábrica, se não chover. Mas, se chover, leve todos os operários, usando seus capacetes, para o refeitório, onde o diretor vai fazer o favor de dar uma explicação científica, com projeção de vídeo, sobre o raro fenômeno, que só acontece a cada 76 anos.

O supervisor, sujeito decidido e sempre disposto a mostrar serviço, não titubeou. Voltou para sua gaiola — um cubículo de estrutura de ferro, suspenso sobre o galpão da linha de produção. Convocou os chefes de produção de todos os setores e, em tom camarada mas firme, explicou:

— Temos novidade: sexta-feira próxima, às 17h, vai aparecer por aqui, a convite do diretor industrial, um tal de Halley, que dará uma explicação científica sobre cometas e o uso de capacetes no pátio da fábrica. Mas, se chover, devemos levar todos os operários para o refeitório onde o diretor vai projetar um filme, fenômeno raro que só acontece a cada 76 anos.

O chefe da Faria e Ferramentas ficou impressionadíssimo com a notícia de que o diretor industrial iria ao refeitório, local só freqüentado pelos operários de linha, mestres, supervisores e, de vez em quando, algum gerente. Os diretores tinham seu próprio local para refeições, com um self-service de luxo. Matutando nisso, foi para a ferramentaria e mandou reunir os seus mestres, cujo respeito granjeara por saber interpretar os acontecimentos da empresa, antecipando-lhes, informalmente, orientações preciosas.

Um líder nato. E não escondeu seu assombro ao fazer o anúncio, pedindo que cada um levasse a notícia aos respectivos operários:


— Olha, pessoal: outra novidade da reengenharia. Acreditem se quiserem. Nesta sexta, às 17h, antes de encerrar o turno da tarde, o diretor industrial vai confraternizar com os operários no refeitório, fenômeno raro, que não acontece 76 anos. É pra todos comparecerem, levando os capacetes, que, em sinal de educação, devem ser tirados da cabeça. Vem acompanhado de um tal de Halley, entendido em cometas e especialista em problemas de segurança relacionados com a chuva. Projetará, inclusive, um filme com uma demonstração sobre tudo isso. Mas, se chover, o diretor disse que a demonstração será ‘‘ao vivo’’, no pátio da fábrica. Cá pra nós, se o tempo amanhecer fechado, eu venho agasalhado por baixo do uniforme e, por via das dúvidas, já vou comprar vitamina C.

O mestre ferramenteiro não era de perder tempo se preocupando com conversas a respeito de diretores, gerentes e seus convidados. Entendia do seu ofício como poucos e sabia supervisionar e orientar seus operários com firmeza, respeito e compreensão, sendo, por essas nobres características, muito apreciado por aqueles que sob seu comando trabalhavam. Por isso, não enfeitou, ao reunir os operários e passar-lhes a notícia:

— O negócio é o seguinte. Sexta-feira, às 17h, é pra reunir todos os operários no pátio, com o capacete na mão. O diretor industrial e um tal de Halley falarão sobre o uso de capacetes, chuvas e cometas. Se chover de verdade, é pra ir todo o mundo pro refeitório, onde vão projetar um filme e distribuir vitamina C, em sinal de confraternização, fenômeno raro que não acontece há 76 anos.

Mais tarde, na fila para carimbar o cartão, na saída da fábrica, dois velhos operários, que gostavam de música e cinema, iam comentando:

— Você já soube? Sexta-feira, às 17h, o chefão da diretoria industrial completa 76 anos e vai promover uma confraternização. Haverá um show no pátio, com Bill Halley e seus Cometas. Mas, se chover, projetará Cantando na chuva, no refeitório. Só não entendi por que a gente tem que levar os capacetes e tomar vitamina C.

— Não entendeu mesmo. Não é nada disso. Além do show do Bill Halley, no pátio, vão inaugurar um videocassete no refeitório. Agora, todo dia, enquanto come, a gente vai recebendo treinamento sobre o uso de capacete, segurança do trabalho em dia de chuva, cuidados com a saúde, essas coisas... É que a fábrica tá completando 76 anos. O chefão eu já vi, tem no máximo uns 50 anos. E não ia comemorar o aniversário dele com a gente.

Moral da história: quando os maiorais não se estão entendendo nem se fazendo entender, os mortais comuns inventam o próprio texto